Corre o fim de janeiro em Washington, capital dos Estados Unidos, e para os padrões locais o inverno está um pouco mais quente que o usual. As temperaturas namoram 0ºC, venta frio e forte na Lafayette Square. Numa das laterais da praça fica a Casa Branca. Na segunda-feira (23), o tempo instável espantava as selfies de turistas diante dos portões de ferro. A uma dúzia de passos das grades, há alguém sentado no mesmo lugar há 41 anos.
Debaixo de uma lona improvisada, cercada de bandeiras encardidas e cartazes escritos à mão, um senhor de pele morena e barba grisalha se encolhe na cadeira de rodas.
Tem as pernas protegidas por um cobertor grosso e colorido. Nascido no Brasil, Philipos Melaku-Bello é o vizinho mais próximo do homem mais poderoso do mundo. Até a data do encontro com Rodrigo Ratier, colunista de UOL, foram 15.565 dias de convivência quase sempre pacífica. A vigília é considerada a mais longa ocupação ininterrupta em atividade no mundo.
Em 3 de junho de 1981, um ativista chamado William Thomas postou-se diante da residência oficial do presidente dos Estados Unidos segurando um cartaz ainda presente na ocupação: “Wanted: wisdom and honesty” (em português, “procura-se: sabedoria e honestidade”).
Era um protesto contra as armas nucleares. William foi ficando e ficando até se tornar um hóspede permanente na praça. Muito por ideologia, outro tanto por necessidade. A legislação exige que o acampamento esteja ocupado 24 horas por dia, 7 dias por semana. Do contrário, o Serviço Secreto tem autorização para desmontá-lo.
Logo nos primeiros dias, um grupo de voluntários apareceu para ajudar. Coadjuvante a princípio, o então jovem Philipos passou a fazer parte da equipe regular de revezamento em 1984.
Com a morte de William, em 2009, e de outra liderança importante, a espanhola Concepción Picciotto, em 2016, (é no nome dela que o Guinness registra o recorde individual de permanência em uma vigília) o professor de estudos anarquistas e revolucionários – conforme a definição em seu perfil no Linkedin -, se tornou a face mais visível da vigília.
O nome não entrega o local de nascimento. “Foi na região de Manaus. Fiquei no Brasil até os 3 anos de idade. Sou filho de mãe brasileira e pai etíope, ambos ativistas”, explica.
Bill Clinton foi o seu presidente favorito. “Só vou dizer que já fui recebido por quatro deles na Casa Branca. E enfrentei alguns outros no tribunal”, despista.
Em Washington, a rotina de Philipos gira em torno da ocupação. Seus turnos durante a semana vão do meio-dia às 6 da tarde – ele diz que há “2 ou 3 pessoas” que revezam com ele nos outros horários.
Aos sábados e domingos, os plantões se estendem por 14 horas. Uma garrafa plástica algo surrada recebe os dólares de simpatizantes e turistas. São as doações que garantem a sobrevivência do protesto. Uma reportagem do jornal Washington Post estimou a coleta diária em 65 dólares. O equivalente a 330 reais.
O protesto diante da Casa Branca hoje abriga uma Babel pró-direitos humanos. O guarda-chuva de reivindicações abriga gritos contra a crise climática, em defesa da Palestina, a favor da taxação de bilionários, em apoio ao movimento Black Lives Matter e contra a pena de morte.
Do punhado de bandeiras nacionais que colorem a barraca, a mais recente é a do Brasil. Em 2 de janeiro, Philipo adicionou o pavilhão verde-amarelo com uma saudação ao presidente Lula. Simpatizantes bolsonaristas torcem o nariz, ele conta. O ativista conhece um pouco de português e arrisca um “boa tarde” para sinalizar que captou as críticas.
Um cartaz lista as intempéries superadas ao longo de quatro décadas: sol, chuva, neve, granizo, furacões, H1N1, coronavírus. O momento mais difícil, diz o ativista, foi uma combinação de nevasca e tornado na virada de 1994 para 1995.
Com informações de UOL