Em um mundo onde o conservadorismo cresce e tenta empurrar as mulheres de volta ao silêncio e à submissão, Francisco ofereceu um respiro de esperança
Neste Sábado (26), o mundo amanheceu em silêncio diante da despedida definitiva com o sepultamento de um dos maiores líderes espirituais de nossa era: o Papa Francisco. O argentino Jorge Mario Bergoglio assumiu o mais alto posto da Igreja Católica — a instituição mais antiga do mundo — como representante de Jesus Cristo, guiando-a em tempos de crise e renovação, tanto no campo da fé quanto nos debates éticos, sociais e políticos do século XXI.
Francisco ressuscitou a Igreja ao assumir o Vaticano em meio a escândalos de abuso sexual, corrupção e descrédito moral. Inspirado por São Francisco de Assis, escolheu o nome que simboliza humildade, justiça e compromisso com os mais pobres. Recusou luxos, escolheu a simplicidade e aproximou a fé das pessoas comuns, com um estilo pastoral marcado pela escuta, empatia e humanidade.
Mais do que católico, foi verdadeiramente cristão: em tempos de intolerância e discursos de ódio, dizia com coragem que “Deus escolhe boas pessoas em todas as religiões”. Ao construir pontes, adotou uma abordagem acolhedora e inclusiva, rompendo paradigmas ao se pronunciar a favor da união civil de pessoas do mesmo sexo e da presença das mulheres em cargos de liderança dentro da Igreja. Francisco não apenas falou de igualdade — ele iniciou mudanças concretas em direção a ela.
Foi um pontífice de muitos primeiros, não apenas simbólicos, mas estruturais: o primeiro latino-americano. O primeiro jesuíta da Companhia de Jesus. O primeiro da era moderna a suceder um papa que renunciou. O primeiro a adotar um nome sem numeral. O primeiro a nomear leigos e mulheres para cargos com votos no Sínodo - reunião convocada para a reflexão sobre questões importantes para a Igreja e o mundo.
Também foi o primeiro a abrir espaço para o debate sobre temas historicamente evitados, como o celibato e o diaconato feminino — ministério até então reservado aos homens. Ainda que não tenha abolido a tradição do sacerdócio exclusivamente masculino, depois de mais de dois milênios de tradição, deu passos significativos ao indicar diretamente Simona Brambilla, uma mulher, para liderar um importante departamento da Santa Sé.
Em um mundo onde o conservadorismo cresce e tenta empurrar as mulheres de volta ao silêncio e à submissão, Francisco ofereceu um respiro de esperança. Ele reconheceu que o feminino não é um detalhe decorativo na fé, mas parte essencial da construção espiritual e moral da humanidade. Com sua liderança, incentivou o mundo a refletir sobre o papel das mulheres — não apenas dentro da Igreja, mas em todos os espaços de decisão.
Francisco foi o Papa que escolheu ouvir. Que pregou o amor quando o ódio fazia barulho. Que se posicionou pela paz quando muitos escolhiam a omissão. E que, acima de tudo, acolheu. Num mundo dividido por muros, ele foi ponte.
Seu legado não se limita à religião. É uma convocação global por justiça, dignidade e equidade. É uma lembrança de que a fé, para ser viva, precisa caminhar com o povo, reconhecer as diferenças e se comprometer com os direitos humanos — especialmente os das mulheres, historicamente excluídas dos espaços de poder e decisão, inclusive dentro das próprias estruturas religiosas.
Todo Papa foi católico, mas Francisco foi realmente um cristão, que revolucionou a Igreja para levar a palavra viva de Cristo aos tempos modernos. Francisco não apenas liderou a Igreja. Ele inspirou o mundo. E nos deixou, como última herança, a semente de uma revolução silenciosa: a fé comprometida com a igualdade. Uma sociedade que valoriza, respeita e inclui a diversidade.
Vá com Deus, Papa Francisco. Obrigada por tanto. Seu eco seguirá vivo em cada mulher que ousar ocupar um espaço novo, em cada fiel que se sentir acolhido, e em cada coração que encontrar na fé um caminho de liberdade.