O prefeito de João Dias (RN), Marcelo Oliveira, que foi morto nesta terça-feira (27) a tiros renunciou ao cargo em 2021 para não ser assassinado. Quem afirmou isso foi ele próprio em depoimento ao Ministério Público do RN (MPRN) e que consta em denúncia contra a então vice-prefeita da cidade, Damária Jácome de Oliveira. “Eu renunciei pela vida, (…) para poder viver”, disse Marcelo Oliveira em depoimento.
A denúncia foi aceita contra Damária Jácome de Oliveira, seus irmãos, Leidjan Jácome de Oliveira e Francisco Deusamor Jácome de Oliveira; e seu pai, Laete Jácome de Oliveira, que faleceu em maio de 2024.
Leidjan Jácome de Oliveira e Francisco Deusamor Jácome de Oliveira morreram em outubro de 2021 “durante operação policial realizada no interior da Bahia”. Na época eles foram apontados como os principais fornecedores de drogas no Nordeste, chegando a comercializar, durante os meses de investigação, mais de R$ 30 milhões em maconha.
Atualmente, Damaria é candidata a prefeitura de João Dias. Ela foi condenada nesse caso, mas o processo está em grau de recurso e ainda não transitou em julgado, o que lhe garante a possibilidade de concorrer e a liberdade. Os acusados alegaram inocência, no processo.
Na denúncia apresentada em 2022, O MPRN apurou que “a atual Prefeita do Município de João Dias, Damária Jácome de Oliveira, em comunhão de ações e unidade de desígnios, com Leidjan Jácome de Oliveira, Francisco Deusamor Jácome de Oliveira e Laete Jácome de Oliveira constrangeram Francisco Damião de Oliveira, conhecido por “Marcelo Oliveira”, mediante grave ameaça, consistente na promessa de matá-lo e causar mal a seus familiares, a renunciar, no dia 23 de julho de 2021, ao cargo de Prefeito do Município de João Dias”.
De acordo com a investigação, o intuito era “obter vantagem econômica decorrente da primeira denunciada assumir a chefia do executivo municipal, notadamente o recebimento de um subsidio maior que aquele que percebia enquanto vice-prefeita, e controle do orçamento municipal, além de poder político, com a prerrogativa de nomeação de pessoas para ocupar cargos”.
Na época da denúncia, o prefeito recebia R$ 12 mil enquanto o vice-prefeito recebia R$ 6 mil.
A denúncia também informa que “no mês de janeiro de 2021, logo após o prefeito Marcelo Oliveira assumir o cargo, a denunciada Damária Jácome de Oliveira e seus irmãos Leidjan Jácome de Oliveira, Francisco Deusamor Jácome de Oliveira” constrangeram o prefeito Marcelo Oliveira “mediante grave ameaça, consistente na promessa de matar o então prefeito e seus familiares, a entregar, de forma ilegal, as senhas das contas do Município de João Dias para a então vice-prefeita Damaria Jácome”
Veja abaixo trecho de depoimento do prefeito dado aos promotores:
Marcelo Oliveira: Quando estava se aproximando o dia de terminar os 90 dias, conversei com Damária e Laete. Eu disse: “Olhe, eu vou voltar para a Prefeitura e vou administrar João Dias porque eu sou o Prefeito.” Foi nesse dia que Laete, Maria José e Fabiano, que era o capanga deles, vieram lá em casa com o telefone na mão. Laete disse: “Aqui, Marcelo, os meninos querem falar com você, primo.” Quando peguei o telefone, ele já começou a me agredir: “Olhe, seu cachorro, você está querendo voltar para a Prefeitura, mas não vai não. Você tem que renunciar ao cargo de Prefeito hoje.”
Eu disse: “Mas como é que eu vou renunciar se eu sou o Prefeito?” Ele respondeu: “Não, o Prefeito aí sou eu.” Aí eu disse: “Você não me ameace, primo, porque se você me ameaçar euvou procurar o Judiciário de João Dias e vou a Natal. Mas se você me ameaçar, eu vou procurar a Justiça de Alexandria e em Natal.”
Ele respondeu: “Pronto. Faça isso, pois se você não renunciar ao cargo de Prefeito, me diga agora que eu vou pegar o telefone. Ai você vai assumir a Prefeitura. Agora, eu vou pegar o telefone e você assuma a Prefeitura, mas o dinheiro da Prefeitura vai servir só de agro, você tem que comprar uma fazenda e criar gado.”
Eu disse: “Como é que você diz isso com a gente?” Ele insistiu: “Cachorro, você tem que renunciar hoje.” Eu respondi: “Primo, eu não vou renunciar não.” Ele continuou: “Você tem que renunciar porque eu tenho uma equipe aí para isso. Se você não renunciar, eu vou mandar ofender você, seu pai, sua mãe, todo mundo.”
MPRN: Mas quem era que falava ao telefone?
Marcelo Oliveira: Leidjan e Deusamor, os dois.
MPRN: Os dois, no telefone?
Marcelo Oliveira: Os dois.
MPRN: Quando você retornou da licença médica que estava afastado, teve essa ligação?
Marcelo Oliveira: Foi em 18 de julho.
MPRN: 18 de julho?
Marcelo Oliveira: Isso, 18 de julho.
MPRN: Então 4, 5 dias depois você renunciou?
Marcelo Oliveira: Isso.
MPRN: Depois do dia 18.07 até o dia 23.07, teve mais algum outro fato específico?
Marcelo Oliveira: Teve, quando foi no dia 19.07, Laete foi lá em casa conversar com a gente.
MPRN: Certo. Como foi isso?
Marcelo Oliveira: Ele veio conversar com a gente para eu poder renunciar ao cargo. Disse que se a gente não renunciasse ao cargo, no outro dia, às 08 horas da manhã, ele iria renunciar ao cargo e iria embora. E ia assistir à guerra de longe.
MPRN: Quem estava lá? Quem foi que falou isso? Foi Laete?
Marcelo Oliveira: Laete.
MPRN: Laete. E ele estava só ou com alguém?
Marcelo Oliveira: Ele, domingo, estava só, mas tinha uma pessoa no carro, mas a gente não sabe quem estava no carro porque ficou trancado.
MPRN: Certo. Aí ele disse que ia ter uma guerra? Eu perdi essa parte.
Marcelo Oliveira: Sim, ele veio conversar com a gente para eu renunciar ao cargo de Prefeito. Disse: “Oh, Marcelo, se você não renunciar ao cargo de Prefeito, amanhã, às 08 horas, eu e Leidjan vamos renunciar ao cargo de vereador e vamos embora. Eu não quero assistir à guerra daqui não, quero assistir à guerra de longe.”
MPRN: Essa guerra era no sentido de?
Marcelo Oliveira: Brigar. E matar a gente.
MPRN: Como foi mesmo a forma, como foi assinado esse documento?
Marcelo Oliveira: Eu estava em casa, por volta das 10 horas, quando Damária liga pra mim: “Marcelo, você está em casa?” Eu disse que sim. Ela falou: “Pois eu tô indo aí agora.” Com meia hora, o carro chegou lá em casa e quando eu olho é Damária, com os três: Camilo, que é advogado, Vitor Hugo, advogado, e o outro eu esqueci o nome, ele é de Pau dos Ferros, e o capanga, Fabiano. Eles já chegaram com o papel em mãos para eu assinar. Eu assinei em casa e eles levaram.
MPRN: Foi o senhor quem redigiu esse papel?
Marcelo Oliveira: Não, eles já trouxeram tudo pronto. Eles só passaram a caneta para mim e eu assinei ali. Quando eu assinei, eles pegaram o carro e saíram.
“Em conclusão à narrativa, a vítima MARCELO OLIVEIRA assentou que o motivo de sua renúncia, publicada na data de 27.07.2021, foi “eu renunciei pela vida, (…) para poder viver””, consta na denúncia.
“Tanto eles me matavam quanto a minha família—pai, filhos, irmão, com tudo”
Em outro trecho da denúncia, em conversa com advogado, Marcelo é mais explícito com relação às ameaças. Confira:
Advogado: E o documento que o senhor assinou, renunciando ao cargo, foi nesse mesmo dia?
Marcelo Oliveira: Não, o documento foi no dia 23.
Advogado: Dia 23? Cinco dias depois?
Marcelo Oliveira: Isso.
Advogado: Esse documento, quem foi que fez? Foi o senhor?
Marcelo Oliveira: Era por volta de duas, duas e pouco da tarde do dia 23, Damária liga pra mim e pergunta onde eu estou. Eu falo que estou em casa. De repente, chega Damária com Dr. Hudson, Dr. Vitor Hugo, Dr. Camilo e o capanga Fabiano. Ela já traz a carta de renúncia pronta e já diz: “Tá aqui, Marcelo, a carta de renúncia. Você já sabe o que meus irmãos conversaram com você.” Eu assino ali e, na hora que eu assino, vou pro quarto chorar.
Advogado: E a conversa a que ela se referia, que os irmãos dela teriam tido com o senhor, era qual conversa especificamente?
Marcelo Oliveira: A conversa que ela mencionou dos irmãos?
Advogado: Sim, porque ela chegou com a carta e disse “Você já sabe da conversa que teve com meus irmãos.” Que conversa era essa?
Marcelo Oliveira: A conversa era que, se eu não assinasse a carta de renúncia, ela disse: “Se eu não assinasse a carta de renúncia, os meninos já tinham repassado para ela que tanto eles me matavam quanto a minha família—pai, filhos, irmão, com tudo.”
Após a renúncia forçada, Marcelo Oliveira entrou na Justiça para retornar ao cargo e, em outubro de 2022, conseguiu decisão que lhe garantiu isso. Ele retornou ao cargo naquele ano e atualmente era candidato à reeleição. Nesta terça-feira, o prefeito foi morto a tiros juntamente com seu pai na cidade.
Em nota, a Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social informou que “já mobilizou efetivos operacionais da Polícia Militar e Polícia Civil com o objetivo de identificar, localizar e prender os criminosos envolvidos no atentado a tiros que deixou ferido o prefeito Francisco Damião de Oliveira (também conhecido como Marcelo Oliveira), da cidade de João Dias, e vitimou letalmente o pai dele, Sandi Alves de Oliveira”. A motivação também está sendo investigada.
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