Um caso de estupro é registrado a cada seis minutos no Brasil, segundo dados divulgados nesta quinta-feira, 18, pelo Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ao todo, 83.988 ocorrências foram contabilizadas em 2023, ante 78.887 no ano anterior. A taxa do crime para cada 100 mil habitantes saltou 6 5%: foi de 38,8 para 41,4.
Três de quatro casos (76,48%) correspondem a estupros de vulneráveis, quando as vítimas têm menos de 14 anos ou são incapazes de consentir (o que inclui pessoas com deficiência intelectual, por exemplo). Ao mesmo tempo, na maioria, os agressores são familiares ou conhecidos (84,7%), que cometem a violação dentro das próprias casas das vítimas (61,7%).
Em linhas gerais, praticamente todas as modalidades de violência contra a mulher cresceram em 2023, segundo o Anuário. A taxa de feminicídios saltou 0,8%, enquanto a de importunação sexual, por exemplo, aumentou 48,7%. Como reflexo disso, a concessão de medidas protetivas de urgência cresceu consideravelmente (26 7%).
Especialistas apontam que, em parte, a alta de casos de violência contra mulher se dá pela tipificação recente de alguns tipos de crime – como importunação sexual e stalking (perseguição) -, além de campanhas para tentar baixar a subnotificação histórica para crime dessas natureza.
Ainda assim, pesquisadores apontam que esses fatores, por si só, não explicam a alta de todo um conjunto de crimes, e cobram mais medidas específicas dos Estados.
“Quando se vê que tudo está crescendo, só a melhora nos registros não é o suficiente para explicar”, afirma ao Estadão Juliana Martins, coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo ela, o avanço no conjunto dos crimes indica um cenário que deve ser priorizado, até pelo perfil das vítimas.
No caso dos estupros, o anuário publicado nesta quinta indica que o perfil das vítimas não mudou significativamente em relação ao que foi visto nos anos anteriores: são mulheres (88,2%), negras (52,2%) e de, no máximo, 13 anos (61,6%).
“Meninas nessa faixa etária muitas vezes demoram a reconhecer aquilo como violência”, afirma Juliana. “Se essa violência der resultado a uma gravidez, provavelmente vão demorar a entender o que está acontecendo com o corpo delas, vão demorar a identificar essa gravidez, vão ter vergonha ou medo de falar a respeito. É uma situação que é muito maior que a violência sexual em si.”
Diante disso, a pesquisadora cobra maior urgência na adoção de medidas de proteção, incluindo fortalecer a educação sexual nas escolas.
Nº quase dobra ante 2011
Para se ter um parâmetro, dez casos de estupro são registrados por hora no Brasil, segundo os dados policiais. “Esse dado é ainda mais alarmante quando se avalia a evolução do número de vítimas ao longo da série histórica iniciada em 2011, quando foram registradas cerca de 43.869 mil ocorrências de estupro e estupro de vulnerável no Brasil. Isso significa aumento de 91,5% ascensão quase ininterrupta ao longo de 13 anos”, aponta o anuário.
Em 2023, os Estados com as maiores taxas para cada 100 mil habitantes foram Roraima (112,5), Rondônia (107,8) – que também registrou a maior alta do ano passado na comparação com 2022, de 59,4% -, Acre (106,9) e Mato Grosso do Sul (94,4).
Em relação aos municípios, Sorriso (MT) lidera a lista (113,9), seguido por Porto Velho (RO), com 113,6, Boa Vista (RR), com 101 5, Itaituba (PA), com 100,6, e Dourados (MS), com 98,6, segundo os dados reunidos pelo Fórum.
A exemplo do avanço dos crimes de estelionato, a alta de estupro vai na contramão de crimes como homicídios e roubos, que vêm caindo nos últimos anos. Especialistas apontam que isso demanda maiores investimentos em investigações policiais.
“Os crimes do mundo virtual ou em ambiente privado estão crescendo, mostrando que, se o Estado quer atuar, ele precisa atuar melhorando a investigação, a capacidade de resposta e de acolher vítimas. No caso de crianças e adolescentes, escolas têm papel fundamental na prevenção da violência”, afirma ao Estadão Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum.
Feminicídio cresce 0,8%
No total, 1.467 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2023, ante 1.455 no ano anterior, alta de 0,8% na taxa para cada 100 mil habitantes (1,4). No caso desse tipo de crime, a maioria das vítimas (71,1%) tem entre 18 a 44 anos. Além disso, 63,6% delas são negras, segundo o anuário.
Em geral, nove em cada dez autores de assassinatos de mulheres são homens. Ao todo, 63% foram vítimas do parceiro íntimo – já o ex-parceiro é o autor do crime em 21,2% dos casos. Mais da metade das mortes ocorrem em casa (64,3%).
Outros tipos de violência também apresentaram alta: a taxa de casos de stalking subiu de 54,8 para 73,7, alta de 34,5%. Já o indicador de importunação sexual foi de 13,7 para 20,4, um aumento de 48,7% – em números absolutos, foram 41.371 casos em 2023. Os crescimentos acendem o alerta para violências mais graves.
“O feminicídio é uma violência evitável: antes de ele acontecer, muitas outras violências vão acontecer, e o stalking é uma delas”, aponta Juliana Martins.
Nesses casos, uma das orientações para as vítimas é a solicitação de uma medida protetiva de urgência à Justiça, a fim de manter distância do agressor. Em 2023, foram concedidas 540.255 medidas desse tipo, ante 426.297 no ano anterior. A taxa para cada 100 mil habitantes, com isso, saltou 26,7%.
Na contramão das outras modalidades, os registros de homicídios de mulheres caíram de 3.934, em 2022, para 3.930, em 2023, o que representa uma redução de 0,1% na taxa. Já as tentativas de estupro registradas oficialmente foram de 4.899 para 4.733, queda de 3,4% no indicador para cada 100 mil habitantes.
Estadão Conteudo