O governo federal vai voltar a exigir algumas medidas para permitir o trabalho em feriados em diversos segmentos do comércio. A previsão é de que as novas regras passem a valer em março de 2024.
A discussão veio à tona no último dia 14, quando o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revogou trechos de uma portaria publicada em 2021 sobre o assunto, deixando em vigor novamente as regras de uma lei dos anos 2000.
A Lei 10.101/2000 determina que:
É permitido o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal;
No caso dos domingos, o trabalho também fica autorizado nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal.
Na portaria de 2021, nos dois casos, o governo não citava a necessidade de convenção coletiva nem de observar a lei municipal. Bastava comunicação do empregador de que o estabelecimento abriria normalmente e a escala de trabalho (respeitando os direitos de folga).
A convenção coletiva significa que os sindicatos dos empresários e dos trabalhadores vão ter que concordar com o funcionamento do estabelecimento.
📃 Já observar a lei municipal quer dizer que “ela pode trazer diretrizes, como dias de funcionamento e horários, mas que, se nada for dito, é autorizado o trabalho aos domingos, com um descanso a cada três”, explica Gustavo Pereira Farah, professor da Escola de Direito da PUC-PR.
De acordo com o MTE, a nova medida apenas “corrigiu uma ilegalidade”, já que uma portaria não se sobrepõe a uma lei, e a de 2021 alterava o disposto na lei de 2000.
A decisão, no entanto, foi alvo de críticas do setor produtivo e, nesta terça-feira (21), a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para acelerar a tramitação do projeto que barra a nova portaria do Ministério do Trabalho.
Na tarde desta quarta (22), o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse que iria revogar e refazer a portaria, para que ela comece a valer somente em 1º de março de 2024.
Veja abaixo 4 pontos sobre as novas medidas, de acordo com a portaria publicada neste mês pelo Ministério do Trabalho. Segundo o órgão, as regras podem vir a ser alteradas até entrarem em vigor em março.
Quais são as alterações previstas?
Quais atividades serão atingidas com a mudança e quais não serão afetadas?
O que dizem: sindicatos e setor produtivo
O que diz a lei sobre trabalho em feriados no geral
1. Quais são as alterações previstas?
O que diz a regra de 2023: a nova portaria (n° 3.665, de 13 de novembro) foi assinada pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e reduz a lista de atividades da área do comércio com autorização permanente para o exercício de atividades aos domingos e feriados (veja a lista completa abaixo).
A nova medida altera a portaria n° 671, que foi editada pelo então ministro Onyx Lorenzoni, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O que diz a regra de 2021: na época, poderia ser realizada uma convocação ou o empregador comunicar aos funcionários que o estabelecimento funcionaria normalmente, ter uma escala de trabalho respeitando o direito de folga e o que determina a legislação trabalhista.
Com a revogação da regra de 2021, volta a valer a de 2000 (para as atividades que não constam mais na lista com autorização permanente para trabalho aos domingos e feriados, conforme a nova portaria).
O que diz a regra de 2000: a lei 10.101/2000 libera o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, e em feriados, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal.
Entre as regras definidas pelos sindicatos, deverão estar previstas pelo trabalho no feriado folgas compensatórias ou adicional por hora trabalhada, explica o advogado Fernando Peluso, coordenador do curso de Direito do Trabalho do Insper.
“Muitas convenções sindicais não são realizadas nesta época do ano [entre novembro e dezembro], mas é possível que recorram aos adendos em convenções vigentes”, explica o professor Farah.
2. Quais atividades serão atingidas com a mudança e quais não serão afetadas?
SERÃO ATINGIDAS:
Comércio varejista de peixe;
Comércios varejistas de carnes frescas e caça;
Comércios varejistas de frutas e verduras;
Comércios varejistas de aves e ovos;
Comércios varejistas de produtos farmacêuticos (farmácias, inclusive manipulação de receituário);
Mercados;
Comércio varejista de supermercados e de hipermercados, cuja atividade preponderante seja a venda de alimentos, inclusive os transportes a eles inerentes;
Comércio de artigos regionais nas estâncias hidrominerais;
Comércio em portos, aeroportos, estradas, estações rodoviárias e ferroviárias;
Comércio em hotéis;
Comércio em geral;
Atacadistas e distribuidores de produtos industrializados;
Revendedores de tratores, caminhões, automóveis e veículos similares;
Comércio varejista em geral.
NÃO SERÃO AFETADAS
restaurantes, padarias, floriculturas, postos de combustíveis, hotéis, agências de turismo, lavanderias e feiras livres, entre outros setores.
3. O que dizem: sindicatos e setor produtivo
Categorias que representam os trabalhadores
A direção da União Geral dos Trabalhadores (UGT) afirmou que a portaria valoriza a ação sindical ao estabelecer a necessidade de convenção coletiva para fixar as regras e que não significa que o comerciário não irá trabalhar nos feriados.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC) comemorou a medida: “Foi resultado de uma articulação das entidades sindicais, em especial das confederações, que defenderam, junto ao ministro do Trabalho, Luiz Marinho, a necessidade de reparar um erro histórico que começou no governo de Michel Temer, quando foi desrespeitada a legislação que garantia o direito dos trabalhadores do comércio de negociar as condições de trabalho em feriados”.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços (Contracs) também elogiou a portaria. Para o presidente da entidade, Julimar Roberto, a decisão representa uma vitória dos trabalhadores contra a precarização profissional em feriados sem a devida contrapartida.
A Força Sindical considera a decisão importante. “Resgate histórico para a nossa categoria”, comentou o presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio de Porto Alegre, Nilton Neco.
Setor produtivo
A Associação Brasileira de Supermercados (Abras), setor que emprega mais de 3 milhões de pessoas, alertou para os danos que a medida pode provocar para a economia.
Em nota, disse que a portaria do Ministério do Trabalho vai “reduzir a atividade econômica e fechar postos de trabalho no setor supermercadista, que a regra do governo é um cerco à manutenção e criação de empregos”.
Ainda segundo a Abras, com a revogação, os supermercados e hipermercados terão dificuldades para abertura das lojas, “o que representará elevação significativa nos custos de mão de obra, além de reduzir a oferta de empregos, face à inevitável redução da atividade econômica”.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) manifestou preocupação com relação aos termos da portaria.
“A portaria contribui para gerar um clima de insegurança jurídica, impactando negativamente nas futuras negociações, prejudicando trabalhadores, empresas e a sociedade civil. Neste momento em que o país necessita urgentemente de retomar a pujança na sua economia, medida desse porte poderá comprometer o pleno exercício das atividades econômicas, com prejuízo para todos”, advogado da diretoria jurídica e sindical da CNC, Roberto Lopes.
4. O que diz a lei brasileira sobre trabalho em feriados
De acordo com as leis trabalhistas, é proibido trabalhar em dias de feriado no Brasil. “No entanto, é possível trabalhar por motivo de necessidade imperiosa ou força maior, autorização do Ministério do Trabalho e em algumas atividades cujo trabalho é previamente autorizado por meio de portarias ou negociação coletiva“, explica Ana Gabriela Burlamaqui, advogada trabalhista e sócia do A. C Burlamaqui Consultores.
No caso da liberação do trabalho, os profissionais podem receber o pagamento em dobro ou folga compensatória. “Havendo banco de horas também poderão ser lançadas estas horas de trabalho, nos termos do acordo individual ou coletivo que estabeleceu o banco de horas”, completa.