sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Estudante ofendido por parlamentar tem síndrome rara

“Minha mãe sempre me preparou para enfrentar um mundo preconceituoso”.
O estudante João Henrique Guedes Santana, 18 anos, falou pela primeira vez com a jornalista Patrícia Calderón, sobre a polêmica envolvendo uma fala preconceituosa da vereadora Zirleide Monteiro (PTB) contra ele e a mãe dele. O episódio, que repercutiu negativamente em todo o país, aconteceu durante sessão na Câmara Municipal da cidade de Arcoverde, sertão pernambucano, no último dia 30. A parlamentar disse que uma mãe foi “castigada por Deus” por ter um filho com deficiência. A fala foi direcionada a Luzia Damasceli Guedes dos Santos, mãe do João, depois de uma discussão que as duas tiveram nas redes sociais por questões políticas.

João se prepara para o Enem que acontece no próximo domingo, 5, e topou falar por telefone com a reportagem do Portal GCmais. Além do autismo, o estudante nasceu com uma síndrome rara congênita chamada Moebius. A doença paralisa os nervos cranianos, o que produz uma aparência facial pouco expressiva, falta do sorriso e estrabismo. “Já sofri bullying, já tive depressão, levei um tempo para conseguir conviver em sociedade. Minha mãe sempre me preparou para enfrentar um mundo preconceituoso. Hoje, não deixo mais me afetar por conta da minha aparência e busco meus sonhos. Agora, por exemplo, estou falando com você em meio aos meus estudos para o Enem”, falou João.

A mãe de João também conversou com a nossa equipe. “Eu sempre preparei meu filho para enfrentar esse mundo das pessoas más e preconceituosas. Sempre digo: Meu filho estude muito para provar para a sociedade que você é um grande homem e que você ainda será alguém na sua vida. E assim tem sido”.

Luzia Damasceli é mãe solo aos 51 anos. Segundo ela, sempre buscou integrar o filho ao meio escolar e social. Ela acredita que foi a educação que tornou João um menino forte. “O que essa mulher fez é monstruoso, não tem justificativa, estou revoltada. Quis me atingir, por conta de uma briga boba de rede social, porem ela atingiu todas as mães com filhos com algum tipo de deficiência física ou doenças raras. Ela é uma preconceituosa, mas, eu já perdoei”.

Além de Luzia, outras mães se sentiram ofendidas com a fala da parlamentar. Por conta do episódio, elas criaram um movimento nas redes sociais solicitando a cassação da vereadora. Um protesto está sendo marcado para a próxima segunda-feira, 6 , às 18h30 em frente a Câmara dos Vereadores, em Arcoverde, sertão de Pernambuco.

Já nesta sexta-feira, 03 de novembro, aconteceu uma votação na câmara municipal, que escolheu 3 vereadores para iniciar o processo de cassação da vereadora Zirleide Monteiro (PTB). “Eu acredito que não vai dar em nada. A política pública de Arcoverde é omissa, não existe. Eu confio na imprensa e na repercussão da sociedade para ganhar voz. Precisamos cassar o mandato desta mulher” Marília Lima da Silva, líder do grupo de mães e mãe de um menino com autismo.

O que aconteceuo
Após a repercussão da declaração, Zirleide divulgou um pedido de desculpas para as “pessoas com deficiência e seus pais” e disse que lhe faltou “tranquilidade e serenidade” após ser alvo de “agressões, mentiras e ofensas”.

Com a repercussão do caso, a vereadora desativou as redes sociais e divulgou uma nota à imprensa em que pede desculpas pela declaração.

“Antes de tudo, quero pedir de perdão, desculpas, particularmente às pessoas com deficiências e aos seus pais, pela infelicidade dita durante a última sessão da casa legislativa. Nunca, em nenhum momento de nossa vida, fui capaz de ser ofensiva com as pessoas que ultrapassassem o âmbito de sua atuação administrativa, pois sempre nos pautamos pelo respeito e a luta em defesa das pessoas com deficiências, assim como fizemos em defesa dos portadores com o transtorno do espectro autista (TEA), sendo pioneiras ao lado de pais e mães”, disse em nota.

A reportagem tentou falar com a vereadora Zirleide Monteiro, mas até o fechamento do texto não tínhamos tido retorno. O espaço segue aberto.

Fala da Parlamentar que causou revolta
“Não preciso citar o nome da cidadã, que o castigo de Deus, Ele dá aqui em vida. Quando ela veio com um filho deficiente, é porque ela tinha alguma conta a pagar com aquele lá de cima. Ela já veio para sofrer. Está nas mãos de Deus. Está entregue e quem faz aqui, paga aqui mesmo. Não vai subir lá para cima não, viu? De jeito nenhum”, disse.

Logo após a declaração, ainda durante a sessão, o presidente da Câmara, Wevertton Siqueira (Podemos), repudiou o posicionamento da vereadora e repreendeu a parlamentar. “Eu acho que a senhora foi muito infeliz em suas palavras, em dizer que o filho de uma mãe veio deficiente porque é um castigo de uma pessoa ser ruim ou de uma pessoa ser boa. Eu acredito que a senhora foi muito infeliz. Eu quero pedir desculpa em nome da vereadora Zirleide, eu como presidente, quero pedir desculpa em nome dela a todas as mães que têm um filho deficiente aqui em Arcoverde, em Pernambuco e em todo o Brasil”, disse o presidente.

A Câmara de Arcoverde também emitiu um posicionamento oficial contra a declaração da vereadora. Em nota, diz que “não aceita ou admite nenhum tipo de preconceito, de qualquer natureza; seja contra pessoas com deficiência; em questões de raça; de gênero; etárias; culturais; religiosas; sociais ou ideológicas”.

De acordo com a Casa, foi aberto um procedimento interno para tratar sobre a responsabilização da vereadora pela declaração. Além dos trâmites locais, o PTB nacional decidiu pela expulsão da vereadora do partido.

Entidades repudiam declaração de vereadora
O posicionamento de Zirleide provocou reação de entidades de apoio e defesa dos direitos das pessoas com autismo, o Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos das Pessoas com Autismo (IBDTEA) enviou à Câmara um ofício solicitando a abertura de um processo administrativo disciplinar contra a vereadora.

Já a Associação das Pessoas com Deficiência de Salgueiro e Sertão Central repudiou “a fala infeliz da senhora vereadora Zirleide Monteiro da cidade de Arcoverde”. “Nosso segmento merece respeito, nós não podemos passar por esse tipo de constrangimento em pleno século XXI.”

GCMais

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