Crianças e jovens não tiveram acesso a ações específicas e bem estruturadas que mitigassem os efeitos da pandemia de Covid-19, aponta uma nova pesquisa que conta com autores brasileiros. Embora não fossem grupo de maior risco para casos graves da doença, a crise sanitária trouxe diferentes efeitos para os mais jovens.
Publicado neste domingo (25), o estudo é uma parceria de universidades do Brasil, do Reino Unido e da África do Sul. Agências de financiamento desses países, como a Fapesp, aportaram recursos na pesquisa. A USP é a instituição brasileira que participou do levantamento, e um dos pesquisadores é Leandro Giatti, professor da Faculdade de Saúde Pública da universidade.
Ele explica que “apesar de os jovens não estarem no foco da preocupação da Covid por não serem um grupo de riscos para casos mais severos, eles têm formas de impacto muito diferenciados”. Então, os autores focaram nas dificuldades do acesso à educação, à alimentação saudável e ao lazer entre aqueles com 10 a 24 anos tendo em conta a pandemia de Covid-19. Dados do mundo inteiro foram levantados, e também houve enfoque nos três países principais do estudo.
Sobre educação, por exemplo, muitas crianças tiveram problemas para continuar os estudos por conta das escolas que fecharam. Entre as mais pobres, era ainda mais crítico por ser difícil ter acesso à internet e a equipamentos digitais.
O consumo de alimentos também foi outro problema. “No Brasil, a alimentação escolar é uma parte importante na ingestão de caloria diária das crianças”, afirma Giatti. A restrição ao lazer, aspecto importante no desenvolvimento infantil, ainda foi outro eixo impactado entre os menores.
Com os três aspectos definidos, os autores compilaram quais foram as respostas para mitigar tais circunstâncias. Para isso, artigos, relatórios e outras publicações foram revisadas. Observou-se que algumas políticas públicas gerais, sem ser necessariamente para jovens, resultaram em desfechos positivos a eles.
É o caso do auxílio emergencial no Brasil. A ajuda financeira fornecida pelo governo federal colaborou com o acesso a alimentos para as famílias elegíveis, o que inclui os jovens.
No entanto, os pesquisadores concluíram que não houve, basicamente em todo o mundo, uma resposta direcionada e adequada para os problemas enfrentados por essa faixa etária. “O que de fato aparece para gente é que não tinha um preparo sério e muito bem elaborado para atender as necessidades dos jovens”, resume o professor da USP.
Para ele, é importante que o cenário mude. Em caso de uma nova emergência de saúde, políticas públicas orientadas aos mais jovens precisam ser melhor estruturadas previamente de forma a evitar problemas associadas a Covid-19 entre crianças e jovens.
Próxima etapa
O relatório divulgado é a primeira etapa do estudo. Agora, os pesquisadores já realizam uma nova fase que consiste em conversar diretamente com jovens de regiões periféricas dos três países principais: Brasil, Reino Unido e África do Sul.
No Brasil, as comunidades de Paraisópolis e Heliópolis, ambas na cidade de São Paulo, integram o levantamento. Giatti afirma que, em diálogo com os jovens dessas regiões, é possível observar como iniciativas das comunidades locais buscavam sanar as dificuldades vividas por conta da crise sanitária.
Ele cita o exemplo da figura do presidente de rua implementada em Paraisópolis. “Ele ajudava a verificar se as pessoas estavam conseguindo ter isolamento, se estavam com insegurança alimentar e ajudavam com distribuição de alimentos, ajudavam a direcionar pessoas ocasionalmente infectadas e que precisavam de tratamento.”
Para ele, ações como essas precisam ser melhor entendidas pelo governo para servirem de aprendizado na construção de políticas públicas. “São potencialidades locais que muitas vezes o gestor da política pública não tem conhecimento.”