O procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, defendeu, em parecer enviado ao Supremo Tribunal
Federal (STF), a inconstitucionalidade da lei de Alagoas que criou o programa
"Escola Livre", na rede estadual de ensino. O programa proíbe
condutas de professores ou de membros da administração que induzam opiniões
político-partidárias, religiosa ou filosófica ou que contrariem convicções
morais, religiosas ou ideológicas dos estudantes ou de seus pais ou
responsáveis. A lei prevê, ainda, punição para aqueles que descumprirem as
normas.
A manifestação foi feita nas
Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.537 e nº 5.580, ajuizadas por
confederações de trabalhadores da educação contra a Lei 7.800/2016 de Alagoas.
Para o PGR, a norma afronta os princípios constitucionais de educação
democrática e do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, assim como a
liberdade de consciência dos estudantes. "A proteção constitucional à
livre consciência é incompatível com qualquer forma de censura prévia",
destaca Janot no parecer. Ele argumenta que, ao pretender cercear a discussão
no ambiente escolar, "a norma contraria princípios conformadores da
educação brasileira, em especial as liberdades constitucionais de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber".
Ao STF, o PGR lembra que a
atividade de ensino não é uma via de mão única, e que a educação é um direito
fundamental dos cidadãos, sendo dever do Estado provê-la de forma a garantir o
pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania, o
que abrange o respeito à diversidade religiosa, política, cultural e étnica. Para
ele, a lei alagoana, ao restringir o debate nas escolas, "despreza a
capacidade reflexiva dos alunos, como se eles fossem apenas sujeitos passivos
do processo de aprendizagem". "Tomar o estudante como tábula rasa a
ser preenchida unilateralmente com o conteúdo exposto pelo docente é rejeitar a
dinâmica própria do processo de aprendizagem", conclui.
No parecer, Janot argumenta,
ainda, que o programa "Escola Livre" afronta o princípio da
proporcionalidade, visto que sacrifica as liberdades de expressão e educacional
por meio de proibições genéricas, capazes de transformar estabelecimentos de
ensino em comitês de controle de ideias debatidas em ambiente escolar. Ele
alerta que a implantação da lei vai criar uma constante vigilância sobre o
professor, sufocando o ambiente acadêmico e impedindo que cada indivíduo possa
formar suas próprias convicções.
"Não se pretende negar a
possibilidade de abusos no exercício do direito fundamental à liberdade de
expressão docente. Para combater exercício abusivo da docência, contudo, há
mecanismos próprios no ordenamento", lembra Janot. Nesse sentido, ele cita
que o Código de Ética Funcional e o Regime Jurídico Único dos Servidores
Públicos Civis do Estado de Alagoas já preveem faltas funcionais e sanções aos
servidores, incluindo os professores, que cometam abusos no exercício de suas
funções.
Competência - No parecer
encaminhado nas ADIs, o PGR sustenta também que a competência para legislar
sobre diretrizes e bases da educação nacional é privativa da União. O próprio STF
tem esse entendimento firmado em jurisprudência. A competência dos estados para
legislar é admitida apenas quando não há norma geral federal, o que não ocorre
na matéria.
As diretrizes e bases da
educação nacional estão definidas na Lei 9.394, de 1996, que inclui nos
princípios norteadores do ensino brasileiro o respeito à liberdade e o apreço à
tolerância, além da vinculação entre educação escolar, trabalho e práticas
sociais, considerando a diversidade étnico-racial. "Não caberia ao
Legislativo de Alagoas inovar no ordenamento jurídico e prever princípios
gerais para a educação, mormente quando distintos daqueles da lei
nacional", afirma o PGR.
Além disso, segundo Janot,
tratados internacionais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (PIDESC), preveem que o desenvolvimento da personalidade,
da dignidade humana e o respeito pelos direitos fundamentais não podem ser
ignorados, nem sequer por escolas privadas e confessionais. Nesse, sentido, o
PGR conclui que, entre a vedação apriorística de conteúdos e a liberdade de
ensino, a segunda opção deve prevalecer.